"Preciso enlouquecer, senão eu morro"
Um grito desesperado e sem sentido? Ou excesso de lucidez? Se você ficou curioso, eis aqui uma ótima indicação de literatura. Conheça esta obra de Adriano Facioli.
Este escritor já foi chamado de “Antonin Artaud tropical”, “delinquente como um Jean Genet atormentado por um coração inchado”. Eu prefiro a minha versão sobre Facioli. Considero aqui sua brilhante formação acadêmica, mas principalmente a expressão de um sagaz pensador do cotidiano, do mundano e bastante humano.
A leitura do livro faz de você um cúmplice, que nem sempre vai concordar, mas com certeza vai refletir. O intrigante título da obra já serve pra mostrar como somos atraídos por desvendar o seu sentido. Adriano Facioli já escreveu sobre hipnose e ironia, linguística, semiótica e filosofia, ambiguidade, nonsense, além de ter uma poesia lapidada. Mas Inquilinos do Além é diferente, condensa e expande esses temas de maneira prática e existencial, acessível ao público sem perder a sensibilidade cirúrgica para dissecar a vida.
Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília, as seleções e premiações em concursos de poesia e contos já teceram uma história que segue personificada. O escritor realmente transforma em texto o que ele é: um pensador, um poeta, um crítico, um terapeuta. Inspirado em obras de Lacan, Freud, Roland Barthes, Octavio Paz, Heidegger, Nietzsche e Charles Sanders Peirce, as leituras sobre psicanálise, teoria sistêmica, zen budismo, lógica, filosofia analítica e da linguagem, incluem Wittgenstein e Kierkegaard, André Comte-Sponville e uma atual inclinação a meditar sobre a felicidade, o bem-viver, a sabedoria e as virtudes, além de considerar a análise do comportamento um produtivo campo de estudos. Entre tantos universos intelectuais, Facioli conhece quando a loucura se mostra como uma opinião sensata sobre os fatos.
Mas pra quê tantas citações, nomes de pensadores, conhecimento aglutinado num homem que se dirige exclusivamente aos acadêmicos? Temos aqui neste livro a manifestação essencial, sedimentos de um pensador que se dirige a quem está aquecido para mergulhar e tirar suas próprias conclusões. Temos neste livro a melhor forma de acessar o que se esconde atrás das lentes grossas, olhos saltados, expressão lunática de um viciado em ideias, leituras e conhecimento. Mas calma, Facioli é gente, transita bem entre a academia e o mundo lá fora.
Minha experiência com Facioli partiu de uma abertura comum ao que não faz sentido, aceitando como um exercício a criação de pontes entre ideias desconexas. Adorávamos verborragizar descompromissados com o nexo, numa demonstração particular da própria capacidade de não perder a sequência de palavras. Outra brincadeira era assistir TV sem som e dublar quem aparecia. Quem disse que Doutor não pode ser criança? Isso tudo aconteceu quando o Frank – apelido antigo de Facioli – chegou a Brasília para estudar. Desde então sigo partilhando seu viés ao enxergar o mundo, com os defeitos peculiares de quem tem estilo.
Neste livro, caro leitor, você encontra a apreciação particular de Adriano Facioli sobre questões do dia a dia, sobre valores e ideias, sobre política, sobre ser humano e as humanidades pertinentes: o sexo, a morte, a esperança, o viver nu, os problemas estomacais. Deus, Xuxa e Brasília. Sacadas céticas, comentários duros, humor inteligente. Posso dizer que trata-se de uma leitura terapêutica para aqueles já habituados a considerar-se em contexto: sem deixar suas certezas de lado, você já contemplou o assunto por esse prisma? Tornar-se consciente é psicologia aplicada.
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